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inventário

21/12/2018

minha mãe fechou os olhos em 1º de abril de 1997. são muitas as respostas que persigo desde então. muitas. por que? e agora? as mais simples. até as mais complexas: para onde vão as mães? quanto tempo mais eu viverei nessa longa saudade? por quanto tempo mais minha mãe precisaria ter vivido para experimentar esse tanto de coisa que já experimentei?

será que ela algum dia leu murilo mendes? e eça de queiróz? ouviu conscientemente chopin? tomou cerveja puro malte? comeu molho pesto?

minha teria gostado de paris? e de buenos aires? do mar de ipanema (esse é ridículo nunca termos ido juntas já que vínhamos tanto ao rio)? será que ela gostaria de carbonara? ia querer visitar portugal? teria curiosidade de conhecer meus livros? de ler pornopopéia?

como seria ver um quadro do chagall com minha mãe ao lado? será que partilharíamos o amor pelo amarelo e pelo azul? será que um dia ela desejou ver um quadro?

tinto ou branco? qual seria a uva favorita da minha mãe? será que ela ia gostar de guacamole? do meu guacamole?

será que minha mãe comeu risoto alguma vez? hamburguer artesanal certamente não.

acho que minha mãe nunca se banhou em um mar que não o da bahia e do espírito santo. não lembro se ela sabia andar de bicicleta. ela não sabia nadar. nunca fez terapia. nunca perdeu a mãe. nunca leu freud. nem marx.

será que algum dia pensou em beijar uma mulher?

o que ela ia achar da mórula? e das tirinhas do dahmer?

minha mãe mandaria corrente no whatsapp?

minha mãe nunca teve um celular. não tirou passaporte. não saltou de paraquedas. não se apaixonou por alguém casado. não morou na bolívia. não aprendeu a dobrar lençóis de elástico (nem teve lençol de elástico). não desfrutou do silêncio do ar condicionado split, nem do sabor de sorvete de mascarpone. não viu amanda voar.

não me conheceu.

quanto tempo mais seria preciso para tudo?

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